Pedro
Fotografias: Rodrigo Ladeira
12092018
Confesso que já não me recordo quando ou como nos conhecemos. Sei que de tempos em tempos nos reconectamos, certificamos que estamos bem, trocamos algumas novidades: “onde você tá morando?”, “foi viajar?”, “tá namorando?”. E me senti conectado ao Pedro, rapaz bastante tímido, desses que começa a embolar a fala para tentar ficar tranquilo. Fiquei feliz quando ele chegou para mim e disse que gostaria de participar. Ensaiávamos disso acontecer já há algum tempo e finalmente ele topou.
Essa foto, sua timidez, a roupa caída nos ombros, tudo isso me lembrou a letra de uma música escrita por um chico. Se não me foge a lembrança, foi um dos três primeiros posts do projeto: para quem quiser ouvir.
“É viver em toda a imensidão que se pode enxergar no horizonte e ter a liberdade de poder ser quem se é.
Estar em uma constante e complexa descoberta, ter a máxima gratidão por todas pessoas que lutaram para que o movimento chegasse onde chegou, mas que ainda precisamos olhar para o horizonte e saber que ainda temos que garantir a existência de muitas outras pessoas que compõem a sigla LGBTQI +. É preciso entender que a existência de outras pessoas também depende da minha luta!”
“Durou quase três anos e foi o meu primeiro relacionamento! Minha primeira transa e a primeira paixão e lembro direitinho quando entrei na quitinete onde ele morava para assistir um filme, deitamos no chão e não parávamos de conversar. Parecia que os nossos corpos já tinham se cruzado em algum outro momento. Eu tava tão tímido que fiquei imóvel sem saber onde colocar as mãos, até que o gelo foi quebrado com um simples pedido de “posso segurar a sua mão?!”. Não conseguia mais tirá-lo da cabeça. Foram três anos incríveis em que também aprendi muito sobre mim e a importância de me afirmar quanto gay para manter a luta diária.
No entanto que também foi uma relação muito louca, se não doentia, mas levo muita coisa guardada pra vida.
Fomos o primeiro namorado um do outro, era delicioso ir descobrindo os nossos desejos, perceber as vontades individuais, as taras e manias. Ao mesmo tempo que era incrível descobrir e compartilhar boa parte do meu tempo com outra pessoa, ele foi um super confidente e que eu sentia confiança em me abrir com relação a tudo que acontecia comigo. Acabou que, por muito tempo, não sabia mais quem eu era e nem pra onde estava indo, porque criou-se uma relação de dependência muito forte. Difícil sustentar isso por muito tempo.
O término causou em mim muitas angústias, mas que ao mesmo tempo pude voltar a me perceber e olhar para dentro foi perceber o mar. “Entender que o mar de dentro é imenso e que também une, é silencioso. Em alguns momentos é calmaria e em outros tempestade. Não lembro quem falou isso, mas marcou muito esse momento da vida!”
“Faz muito tempo que não me apaixono que nem foi com aquele primeiro. Mas de todos que já passaram e deixaram pedacinhos, foram relações que preferíamos manter a sinceridade e a todo instante deixar que a relação fluísse num tom saudável. Dizer tudo aquilo que sente e compartilhar o que tem surgido na cabeça torna a relação saudável e dá o prazer de compartilhar o que é de dentro.
A gente entende o ser humano como peça única, cheia de signos e que ao longo da vida vai descobrindo onde o som ecoa positividade e onde o barulho nem chega. Essa individualidade dos sentimentos é algo que se descobre experimentando e nunca terá certeza sobre tudo que vem de dentro. Sentir é incontrolável e por isso precisa respeitar as individualidades…”
“Estamos em um momento incrível onde alguns de nós sentem essa liberdade de poder ser quem se é, mas estamos bem distante de vivermos a liberdade em toda essência. Os “corpos estranhos” continuam morrendo! A dor no peito de ver cada uma das mortes de pessoas trans é preciso se manter viva. Isso é um ato de resistência! A liberdade só vai bater em mim como total quando eu sentir que toda a sigla estiver livre pra caminhar a luz do dia e não mais minorizada.
Só me lembro de uma frase que a Matheusa nos deixou antes de completar o céu com a sua luz “se tiver que existir uma dicotomia entre o amor e ódio, eu escolho o amor”, precisamos nos apoiar mais, nos amar mais, estar em frente de todo o movimento para que outras sobrevivam e tenham visibilidade. É o momento de todas brilharem e terem seus corpos respeitados.”
“O problema existe quando a gente só começa a se aceitar se tiver um nariz no lugar imaginado, um peito dentro do padrão aceito, um pau grande… tudo começa errado quando tem isso em mente, mas também não é assim achando que todos os dias você acorda e se vê no espelho, super se amando e de bem com tudo que está no centro da moldura. A autoestima é um perigo quando está com ela “delirante”.
É libertador e difícil se olhar no espelho e se reconhecer, mas é mais fácil que ficar olhando ao redor e tentando se adequar em cima das sombras dos outros. O corpo sempre foi uma questão, às vezes por ser magro demais e ficar se escondendo embaixo de mil panos. Até me sentir a vontade de tirar fotos nu demorou um bom tempo, não que estive confortável o tempo inteiro. Esse processo demorou e tudo começou com um questionamento do Rô, numa ida a Brasília pelo Chicos, em perguntar se aquela oportunidade não seria exatamente sair da zona de conforto e ignorar a sombra que pairava em cima da cabeça.
A crise do corpo só começa com as comparações externas e não diria que por motivos midiáticos, e, sim de identificação de quem tava mais perto. Olhar para o outro sabendo que estava vulnerável ao julgamento sempre causou uma tensão e que por sua vez, me colocava num lugar retraído. Por muito tempo não tirava camiseta com medo do que diriam das minhas costelas aparentes e só fui me sentir confortável no momento que desisti de fazer mil dietas para engordar. Ainda existem pessoas que sentem que ajudam ao falar “nossa como você está magro” – num tom assustado -, mas hoje apenas ignoro e aviso que o meu peso não sobe e tô de boa com isso.
Hoje já lido muito bem com a casca que tenho e que carrega muita história, experiência de muitas pessoas que conheci, uma bagagem de lugares onde morei… mas esse corpo queima quando a minha própria exigência ajuda a distanciar o que sinto do que de fato é o corpo deixando tudo muito superficial.”