Iran
Fotografias: Rodrigo Ladeira + Fábio Lamounier
16082018
Já há um tempo planejávamos esse ensaio. Nos conhecemos primeiramente online, por conta do projeto, trocamos algumas breves ideias e fomos nos conhecer de fato, só quando mudamos para São Paulo. Esse é o segundo ensaio que postamos todo fotografado em analógico, um registro que deve ser feito com mais cuidado, mas que para nós parece mais real e próximo do ‘chico’.
Acho que logo que chegamos na casa, perguntamos para ele sobre a rotina de ser responsável pela Casa1: “Meu trabalho é minha sexualidade e afetividade. Sou organizador de um centro de acolhida de LGBT expulsos de casa e também de um centro cultural e é um trabalho de 24h, 7 dias por semana. Muita gente me pergunta como foi “abrir mão da minha vida”para o projeto e toda vez explico que na verdade eu criei o espaço onde é possível pra mim viver: onde existe realmente pluralidade, que acolhe idades, raças e etnias, classes, identidades de gênero, orientações afetivas sexuais e por aí vai.”
“Para mim ser gay é um conjunto de fatores, é uma linguagem, um humor, uma percepção de vida e sociedade, uma cultura, um viver. Não acho que exista mais ou menos gay, mas existe um grau de vivência gay sim. Quanto mais distante da heteronormatividade, maior vai ser a sua vivência como gay e acho isso bem lindo. Não acho que é uma questão de identidade e sim de identidades, de identidade social, identidade cultural, identidade visual, entre outras. Ser gay também na nossa sociedade é também entender e viver desde muito cedo a violência e o preconceito.”
“Eu não tenho um momentos marcantes e isso é bem enfadonho, todos os meus relacionamentos foram muito marcantes, grande parte inclusive por conta dos meus transtornos mentais. Fui diagnosticado na vida adulta com transtorno de personalidade borderline e tenho e tive durante muitos anos uma relações muito intensas e complexas que geraram muito sofrimento, mas que me permitiram momentos incríveis. Talvez pela minha doença que faz parte de mim, afinal ela sou eu e eu sou ela, eu não deixei de amar profundamente todos os meus ex-namorados (ainda que o conceito de amor seja bastante relativo). O que eu sei é que ainda tenho um carinho e uma atração física e emocional por todos eles e isso é reciproco, ainda que em graus variáveis. A parte interessante disso é que como essas relações e sentimentos são muito conscientes as novas relações já começam com essas informações o que tornam as coisas mais fáceis. Resumindo: eu amo todos os meus ex e os atuais sabem disso e lidam super bem com esse fato.”
“Todos os três relacionamentos terminaram bem dedo no cu e gritaria. Muita DR, muita briga, adoro quebrar um prato, ai sofro, nossa sofro que não consigo levantar da cama, vomito de nervoso, aquele pavor, mas dura três dias e passa, percebo que o sentimento segue existindo, que as coisas não são como nos filmes e séries, que as pessoas vão continuar existindo e o afeto e o tempo vai cuidar das coisas.”
“Eu curto demais meu corpo, mesmo, as vezes queria ele mais magro, mais torneado claro, em especial pelo corpo vestido. Acho moda a forma de arte mais próxima da expressão do não artista (também levando em conta que arte e artista são conceitos relativos né?) e infelizmente a industria não consegue suprir essa necessidade (alo capitalismo). Porém, como corpo gordo existe um trabalho constante de entendimento – acho que é muito fácil a gente se sentir mal por não ser atraente e em tempos de discursos tão libertadores e empoderados nos deparamos com frequência com pessoas que vão falar ame seu corpo mas que não se permite gostar desse corpo, num bom português: todo mundo aplaude o gordo empoderado mas poucos vão efetivamente comer esse gordo. É preciso um processo de desconstrução e principalmente de construção para você guiar sua atração e para que ela seja valida sem estar ligada a todos os preconceitos que a nossa sociedade incute em nós. Nesse sentido, enquanto gordo e gay, tenho muito problema com o fato do meu corpo ser atraente exclusivamente por um numero reduzido de pessoas que tende a feitichizar esse corpo. Um dos meus namorados uma vez comentou que não gostaria que eu emagrecesse “por que gosto de você assim gordinho”, foi logo no começo da relação e eu já cortei o mal pela raiz: “Gordinho não, gordo e se quiser seguir essa relação vai ser gordo, magro, cabeludo, careca, não vem com essas palhaçada não”. E foi bem legal ver que quando fizemos menages ele sentiu prazer com os corpos plurais que encontramos e que depois do término também se relacionou com pessoas de diversos tipos físicos. Em relação ao corpo do outro eu sou completamente livre de amarras e olhando minhas relações: das mais breves às mais duradouras é possível perceber isso.”
“Nos últimos anos entendi que não tem o que se pensar nem sobre relacionamentos e nem sobre amor, só aceitar que eles existem. Detesto os textos do Ivan Martins que falam sobre relacionamentos terem que ser facinho, pelo amor de Deus, que mundo ele vive? Nada é fácil no mundo, porque relações interpessoais seriam? Não tô dizendo que tudo tem que ser horrível, abusivo e coisas do tipo, mas não vai ser fácil. O amor, a mesma coisa, a coisa do amor romântico nunca fez sentido pra mim, pra mim amor é companheirismo, cumplicidade, sinceridade, cuidado, nada disso tá ligado a um sentimento idílico e doce, tá ligado à viver.”
“Tudo válido, tudo, mas na prática acho que a monogamia é muito mais funcional, em especial pela nossa estrutura social, pressão externa, e inclusive a forma que a gente aprendeu a se relacionar. Acho as tentativas de poliamor, relacionamentos abertos e cia super validas e conheço varias pessoas que se dão bem, infelizmente comigo nunca rolou, parte por mim, parte pelos meus parceiros.
“Eu costumo dizer que não existe maior forma de se empoderar do que sobreviver, nesse sentido, enquanto comunidade LGBT acho que esse empoderamento e liberdade sempre existiu, inclusive em tempos atuais a gente é até mais preguiçoso do que éramos nas décadas passadas. Acho que encaretamos um pouco sim, mas existem vários fatores para isso: da eclosão do HIV/AIDS até movimentação política e cultura digital. Se por um lado, a internet permitiu que muitos tivessem acesso à cultura LGBT ela também diminuiu exponencialmente as relações físicas, não acho positivo nem negativo, só diferente, ainda que um pouquinho mais careta.”